O que temos em The Me You Love in the Dark é uma história bem atípica, que saiu pela Image Comics em agosto 2021, em 5 partes, onde a musa de inspiração passou de uma “Monalisa” de Da Vinci para “Deterioração da mente sobre a matéria” de Otto Rapp em pouco tempo. O que parecia ser uma relação inspiradora, se transformou em um romance doentio, claustrofóbico e cheio de horror.
Este ano (março 2022), foi lançado um compilado com as 5 edições, uma oportunidade de ler toda essa história por completo, que Infelizmente, ainda não saiu no Brasil – mas o link de onde encontrar ficará disponível na matéria.
The Me You Love in the Dark, foi roteirizado por Skottie Young, sim aquele rapaz do Eu odeio conto de fadas(I Hate Fairyland). Depois ter escrito uma comédia colorida no reino da fantasia, Skottie abordou um tema mais sombrio, puxado para um leve terror, e esse terror não está tão distante da realidade quanto parece, criaturas sobrenaturais à parte, o quadrinho aborda algo que vemos diariamente acontecer, estou falando dos relacionamentos abusivos.
Li esse quadrinho no início do ano, e não teria momento mais oportuno para trazer à tona essa história do que agora. Isso porque o ano de 2022 foi um ano que, no Brasil, tivemos um aumento considerável no número de casos de feminicídios, todos os dias pipocam diante das telas dos telejornais as notícias de violência contra a mulher, só no estado do Rio de Janeiro foi registrado uma alta de 20% em relação aos anos anteriores. Acompanhando um pouco do que vou lhes apresentar dessa história, vocês entenderão o porquê esses assuntos se relacionam.
Rô, era uma artista plástica que buscava inspiração para seu novo projeto de arte, procurava um local especial, onde pudesse pintar e se encontrar como artista. Ao chegar na pequena cidade encontrou o que parecia ser a escolha perfeita, uma casa mal assombrada.
Como nem toda inspiração vem num sopro, as primeiras semanas de trabalho pareciam ter sido em vão e nenhuma só gota de tinta foi capaz de encontrar seu caminho na tela. Sozinha na casa, até então assombrada, Rô fazia piadas e falava sozinha, distraindo sua mente em um jogo interno, como se de fato houvesse um fantasma naquele local, até o dia em que alguém lhe respondeu.
Sócrates tinha alguém que era o pivô de toda sua inspiração, uma voz em sua cabeça que lhe garantiu o conhecimento para seu sucesso, era chamado Daemon. Aqui, parecia que Rô havia encontrado seu Daemon, seu motivo de inspiração, a voz que lhe guiava e fornecia companhia e bem estar. Será que ela estava ficando louca? Louca ou não, uma relação se estabeleceu entre artista e criatura, quase uma relação como em Ghost, Do Outro Lado da Vida, mas não era bem um fantasma que estava vivendo ali, esse ser era algo ancestral, uma daquelas criaturas que nunca foi viva.
Foram meses de um enclausuramento consensual, um romance nada ortodoxo, onde o ser fazia de tudo para esse ambiente ser o mais atrativo de todos, realizando todos os desejos de sua amada, não teria motivos para que ela quisesse abandonar aquela zona de conforto e amor, ele a teria sempre por perto. Mas, com a chegada de um clima mais quente, sol brilhando e pessoas felizes pelas ruas, Rô começou a sentir necessidade de sair, não mais pedir entregas e ver o dia bonito que estava pulsando vida lá fora, foi quando as coisas começaram a mudar.
O que parecia ter sido um alumbramento para seus problemas, se tornou uma relação doentia de possessão, e aquele ser que até então lhe fornecia alento, agora a mantia em uma prisão, não mais querendo separação, tão pouco dividi-la com outros. A inevitável e intensa conexão que Rô estabeleceu com seu amante sobrenatural, fizeram com que ela tardiamente percebesse o perigo fatal que aquele relacionamento representava para ela.
“Eu perdi a visão de mim mesma por um tempo. Não sabia o que eu queria. O que eu era. Eu estava procurando por algo que me transformasse… Seja lá o que isso signifique. Eu encontrei, seja lá o que você for… Fiquei envolvida na sua possibilidade. Pensei que você pudesse me entender e me apaixonei por isso. Mas agora, te vejo de verdade.”
Quase toda história de violência contra a mulher em relacionamentos abusivos acontece da mesma forma: um parceiro acima de qualquer suspeita, que não demonstrava sinais e era extremamente carinhoso e todos os “Excessos” na verdade eram sinônimo de amor, uma pessoa que ama demais e não quer te perder, até que essa forma de amor se transforma em uma relação destrutiva, que pode levar a um caminho sem volta, onde o parceiro não aceita que sua “cônjuge” tenha uma vida sem ele, carreira, amigos, cuidados com a aparência, qualquer assunto que não esteja relacionado a ELE.
E foi assim que Rô presenciou os piores dias de sua vida, vendo todo seu sonho escorrer por suas mãos, em momentos de horror, pavor psicológico e mortal, colocando também as pessoas mais próximas a ela em risco, ninguém poderia estar próximo o bastante sem se ferir, o que quase foi fatal para ela mesma, apenas um poderia sair vivo dessa relação, deixá-la ir não era uma opção.
Até aqui, quase que minuciosamente, todo comportamento vivenciado nessa relação perturbadora é um espelho do que os jornais noticiam, ao não aceitar a liberdade da parceira, ou o término do relacionamento, muitos terminam em tragédia. “Se não ficar comigo, não ficará com mais ninguém”.
A história te prende, e o que parece ser uma história boba e divertida, se transforma diante dos seus olhos em uma sinistra relação abusiva entre o real e o sobrenatural de forma jamais antes imaginada, e com um desfecho inesperado. A arte de Jorge Corona te conduz em belas formas de artes e cores que traduzem bem os momentos alegres e de horror, e o roteiro de Skottie Young te faz não querer perder um só momento desse conto, como em um filme de suspense. Ao relacionar o quadrinho com a vida real, vemos que a realidade é muito mais aterrorizante que a ficção, a história serve de alerta para todas nós mulheres. Quando estaremos de fato seguras?
O levantamento revela aumento generalizado nos indicadores de violência de gênero no país no último ano. Nos casos de agressões (0,6%), ameaças (3,3%), chamadas ao 190 (4%) e pedidos de medidas protetivas de urgência (13,6%) de mulheres vítimas de violência doméstica. Além disso, a violência sexual escalou 4,2% comparada ao ano anterior. E, pela primeira vez, o estudo reuniu dados sobre perseguição (stalking) contra as brasileiras.
“Registros de violência doméstica e sexual contra mulheres crescem no Brasil” Fonte: Site jornal Extra classe – Matéria completa AQUI
Dica de relacionamento, crianças: Cuidado com quem você se relaciona nas sombras, alguém que não se mostra por completo pode estar escondendo os piores segredos e horrores. Brincadeiras à parte, esse é um tema que merece nossa atenção, a sociedade precisa mudar como um todo, inclusive na severidade das leis aplicadas. Você ainda tem dúvidas do porquê o feminismo é necessário?
Boa, Presidente! Adorei o artigo, principalmente do “Dica de relacionamento”! 😉 😉 😉