Paul Dano, ao incorporar o Charada no recente The Batman, entregou uma das mais surpreendentes interpretações de vilões da era moderna do cinema de heróis. Interpretação essa que está prestes a ser expandida com a publicação de “Riddler: Year One”, pelo selo Black Label, escrita pelo autor e ilustrada por Stevan Subic e que ganhou um preview na última San Diego Comic-Con. Não há dúvida que o personagem atraiu muita curiosidade dos espectadores, principalmente pelo que Paul Dano imprimiu no personagem, mas a pergunta que fica é: será que precisamos desse material?
Não pretendo aqui demonizar a exploração de um produto de imenso sucesso como The Batman, já que não há dúvida que estamos falando de uma indústria que se movimenta ao redor do lucro e da manutenção de sua marca por todos os meios possíveis. O que incomoda, entretanto, é a necessidade narrativa do material que, tendo em vista seu destaque no principal palco sobre quadrinhos dos EUA, parece estar sendo considerado uma grande aposta da DC Comics.
As primeiras informações sobre a série, corroboradas pelo título, indicam que iremos acompanhar Edward Nashton no primeiro ano de atuação do Batman por Gotham City, bem como acompanhar o processo de surgimento do Charada “inspirado” no cruzado encapuzado. Já com o preview lançado podemos verificar com mais detalhes que o foco aparenta ser a percepção que Edward tem da sociedade e o processo de degradação psicológica que o personagem se encontra.
Podemos ver o distanciamento do personagem e a sua sensação de solidão frente ao Gothamitas. Destaca-se também seu comportamento incel e sua interação com grupos extremistas pela internet. Em uma das páginas é mostrado que Edward chegou a presenciar uma ação do Homem Morcego, de forma que o enquadramento é feito de maneira a entregar ares divinos ao Batman, retratando a relação de adoração e inspiração que o vilão nutre.
Em uma última composição é entregue uma cena de automutilação que deixa claro a instabilidade mental do personagem, que claramente ostenta momentos de insanidade e descontrole. As páginas, em que pese impecavelmente ilustradas, compondo quadros que passam exatamente a experiência proposta, não aparentam trazer nada que não pudesse ser apreendido pela experiência do filme.
Um dos grandes méritos de Matt Reeves e Peter Craig, no roteiro e direção de The Batman é forma orgânica com que os personagens são estabelecidos, utilizando muito da técnica do “Show, Don’t Tell”, em que não é preciso explicitar todos os movimentos narrativos para construir algo, basta mostrar. Edward Nashton é um personagem completo no filme, todas as suas motivações, ações e personalidade são suficientemente delineadas de forma que todos os aspectos apresentados no preview já podem ser encontrados lá, ainda que de forma não totalmente explícita.
Se nos permitirmos sermos ainda mais críticos, tudo que Paul Dano, aparentemente, pode nos mostrar é um caminho para a criação do Charada, já que o vilão não havia atuado antes do acontecimentos do filme.
Se a premissa não parece ser capaz de acrescentar muito ao que já foi criado dentro do universo do filme, a série também não parece ser o melhor caminho para a apresentação do personagem para a versão dos quadrinhos regulares. Em que pese seja um título lançado pelo selo Black Label, ou seja, não faz parte da cronologia oficial do personagem, a escolha do subtítulo “Year One”, pode gerar interpretações equivocadas.
A Linha “Year One”, ou “Ano Um” nas publicações nacionais, normalmente são utilizadas para designar histórias de origem dos personagens da DC Comics, seguindo como porta de entrada para a compreensão dos principais elementos caracterizadores dos heróis e vilões. Ocorre que o Charada de Paul Dano, e digo isso sem qualquer conotação negativa, se afasta muito da roupagem regular do personagem, sendo, em alguns pontos, diametralmente opostos.
Enquanto Dano imbuí seu personagem de traços de psicopatia, um vilão aterrorizador, Edward Nigma da cronologia regular é muito mais racional e centrado, tendo como sua principal característica a sua arrogância e prepotência. O Charada dos quadrinhos, inclusive, algumas vezes é ridicularizado e considerado pelos próprios vilões, como sendo pertencente a um segundo ou terceiro escalão.
Essas diferenças, aliadas à imprudente adoção do subtítulo “Year One”, podem causar confusão aos novos leitores e até uma certa decepção ao se depararem com o personagem em sua forma mais tradicional. Não seria razoável condenar o título nesse momento, já que a primeira edição somente será lançada em outubro de 2022, porém me mantenho cético se, dentre todas as possibilidades criadas pelo Charada de Paul Dano, a escolha de mais uma história de origem é o passo mais interessante frente às infinitas possibilidades que o Universo do Batman e o selo Black Label oferecem.