Mangás e animes vêm se tornando cada vez mais populares no ocidente e com essa expansão mais e mais obras têm atraído a atenção do público euro-americano. É natural então que a cada temporada sempre exista a expectativa pela estreia do novo grande sucesso e conforme obras como One Piece vão chegando ao fim, outras ganham seu próprio espaço, como Jujutsu Kaisen e Chainsaw Man.
Chainsaw Man é uma das novas séries mais amadas que apareceu na famosa revista Weekly Shounen Jump da Shueisha, compartilhando o prestigioso 66º Shogakukan Manga Award em 2021 e indicada ao Prêmio Eisner por Melhor Edição Norte-Americana de Material Asiático. Escrito e ilustrado por Tatsuki Fujimoto (Fire Punch), o mangá conta com uma profusão de influências da mídia popular atual até o terror ocidental e oriental, tal qual Gyo de Junji Ito, passando por animes como Kizumonogatari e Hunter x Hunter e até mesmo o esotérico mangá Abara de Nihei Tsutomu. Tudo isso torna Chainsaw Man ao mesmo tempo um típico shounen (shonen) de sua revista título, mas também surpreendentemente inovador e com uma identidade própria para uma revista que muitas vezes é executada com uma fórmula já conhecida pelo público otaku no geral.
Situado em um mundo onde os ‘demônios’ espreitam/vivem entre os seres-vivos, alimentando-se e fortalecendo-se com os medos humanos, o herói e protagonista Denji, é um jovem garoto que vive à margem da sociedade. Tendo sido criado na pobreza pela Yakuza após a morte de seu pai, Denji se imagina como um caçador de demônios, lutando contra demônios com seu próprio companheiro diabólico: um pequeno ser chamado Pochita, um pequeno demônio semelhante é um cachorro com uma pequena motosserra saindo de sua cabeça. Denji coleta dinheiro ao derrotar essas feras que ele usa para pagar a dívida de seu falecido pai, mas quando uma situação de repente dá errado, levando o protagonista a uma situação de quase-morte, Pochita se funde com Denji, que se torna um híbrido humano-demônio, permitindo assim que o personagem possa se transformar no homônimo Homem Serra-Elétrica ou Homem Motosserra. No entanto, antes que ele possa processar a situação, Denji é colocado sob as asas da enigmática Makima, a líder de uma força de segurança pública composta por outros indivíduos híbridos ou que possuam acordos com demônios. Denji logo se vê caçador e caçado, pois é alvo de demônios e caçadores de demônios em todo o mundo, que têm um grande interesse em obter seu coração.
É aqui onde podemos começar a definir o porquê do sucesso de Chainsaw Man, como leitores, não somos tão diferentes de Denji. Com um protagonista ligeiramente ingênuo e de objetivos simples, o protagonista vive em um mundo sedutor e confuso, mas que aceita tudo com um sorriso ignorante, embarcando nas oportunidades que a vida lhe oferece. A simplicidade e o carisma de Denji nos fazem entender seu ponto de vista com facilidade e com isso a empatia é quase imediata. Contudo, o mundo de Chainsaw Man pode ser extremamente cruel…
O mundo em si abriga o tipo de fantasia moderna sombria que já conhecemos, tal qual Hellsing e Tokyo Ghoul, onde praticamente nada vive às sombras. A novidade do mangá vem em sua apresentação a este universo bem como sua ferocidade firme, com uma ação emocionante e dotada de uma violência gráfica incrível, que vemos em Gantz e Basilisk, em vez de obras shounen correlatas. O autor Tatsuki Fujimoto é um grande admirador do gênero de terror, declarando seu amor por filmes de ‘Inverno de Sangue em Veneza’ a ‘Hereditário’ em cada prefácio dos volumes, bem como dse utilizando de mortes marcantes do cinema para referenciar em seu mangá. E como há mortes, se espera clemência do autor para com seus personagens, está enganado. Mesmo no início, fica claro que grande parte do elenco não está protegido de uma morte potencialmente prematura e absurda. Fujimoto parece ter um prazer em criar formas diferentes de matar seus personagens.
Os próprios personagens são bastante arquetípicos – o cabeça quente distante, o ajudante barulhento, o enigma sorridente, o tipo samurai pragmático e assim por diante – nenhum deles particularmente novo ou original no mangá, mas a maioria tem um passado suficientemente detalhado e cumprem bem suas funções. Existem membros destacados do elenco central que são notáveis em seu crescimento e maturidade à medida que o mangá avança, e enquanto muitos dos personagens secundários sucumbem ao alívio cômico, os cenários estranhos em que se encontram são muito divertidos. A falta de armadura de enredo para muitos do elenco rende ao mangá muito peso e impacto, tornando até mesmo os personagens mais chatos um pouco memoráveis, mesmo que apenas na morte.
O conceito de ‘demônios’ não é diferente de algo como os ‘hollows’ em Bleach, os ‘yomas’ em Claymore, as ‘maldições’ de Jujutsu Kaisen ou qualquer outra criatura monstruosa em vários outros mangás shounen. A história conta com caçadores de demônios semelhantes a outros personagens que possuem habilidades de mangás como My Hero Academia e JoJo’s Bizarre Adventure. A diferença em Chainsaw Man é que os caçadores de demônios fazem contratos com os próprios demônios que caçam, assim as habilidades se sobrepõem entre os personagens e se tornam numerosas. Algumas habilidades são um pouco exageradas e outras não são elaboradas o suficiente para entendermos sua funcionalidade, mas quase todas são emocionantes e visualmente impactantes.
A trama mantém a intriga constantemente, com um ritmo que não se prolonga e satisfaz na medida certa. O mistério central é bem construído, mas certos detalhes – alguns dos quais são bastante proeminentes na trama – são deixados bastante vagos e enigmáticos até o final. Alguns desses aspectos, incluindo a noção de ‘inferno’ e algumas das regras mais sutis pelas quais os demônios existem e influenciam o mundo, se beneficiariam de mais explicações. O pouco que é mostrado do “outro lado” é tentador, enquanto os desígnios de muitos demônios são ameaçadores e inventivos. Em termos de temas, o mangá contorna questões de humanidade e desejo, mas não se aprofunda o suficiente para deixar uma impressão emocional duradoura. No entanto, faz progressos na representação de conexões humanas que parecem orgânicas e na exploração da harmonia e dissonância contraditórias da vida, muitas vezes através da perspectiva da ignorância e do conhecimento. Entretanto o mangá voltará a ser publicado dando continuidade em sua história em uma fase completamente nova. Podemos ter aqui a oportunidade de abordar os diversos ganchos ou pontos em aberto que o mangá deixou.
Apesar da arte violenta e sangrenta, Chainsaw Man é muitas vezes cômica e alegre, e por diversas vezes uma obra juvenil. Há muitas piadas sobre vômito e seios, o tipo de conteúdo que você pode esperar de um mangá para garotos pré-adolescentes, enquanto também contém muito humor pastelão com uma identidade típica do humor manzai, espelhando o apreço do autor por obras como Gintama e Ranma 1/2. Esses momentos funcionam bem com a ação exagerada e proporcionam uma leitura divertida e ironicamente leve em boa parte do tempo, contudo seria viável uma ênfase maior em alguns aspectos meditativos – mais psicológicos – para dar uma profundidade adicional, proporcionando mais momentos dramáticos e uma profundidade um pouco mais duradoura.
A arte simples de Fujimoto transmite a emoção necessária além de ser cativante. Por vezes, com grandes quadros, a página se espalha e as peças de ação maiores geralmente são muito bem feitas, mas os problemas estão em outras áreas. Há muito ‘espaço em branco’ em muitos dos painéis, com falta de sombreamento e detalhes de fundo e, muitas vezes, uso excessivo e dependência do tom da tela. Isso pode ser visto bastante abertamente na página acima, que ocorre no interior de um carro, cujo contorno você pode ver aproximadamente no último painel. A ação geral e os movimentos certamente fluem adequadamente entre os painéis, mas para uma mídia visual, não há muito nessas e em outras páginas que sejam muito atraentes ou detalhadas. A arte certamente melhora nas cenas de ação, onde o autor ilustra bem o movimento através de suas linhas de movimento, criando uma sensação de velocidade e impacto surpreendentes. Esses painéis parecem mais completos do que as cenas de diálogo, mas ainda há falta de detalhes de fundo e, às vezes, a coreografia parece pular algumas notas, com poucos painéis iniciais. Ainda assim, os grandes espetáculos de ação oferecem alguns arranjos espetaculares com os quais você vai querer se maravilhar antes de virar a página, e mesmo que a ação às vezes se beneficie de mais detalhes minuciosos, quando atinge a marca, o faz com intensidade. Consequentemente, a ação selvagem às vezes parece mais suave e mansa, onde certamente deixa menos para sua imaginação visceral.
No geral, Chainsaw Man é uma leitura relativamente rápida. A arte é muito simples às vezes, o diálogo não é muito complexo, sem muitas reflexões psicológicas ou monólogos, mas certamente deixa uma impressão, com ideias criativas, cenários emocionantes e um elenco de personagens excitáveis que são principalmente divertidos apesar de algumas imperfeições.
Em última análise, o mangá termina como uma mistura de aspectos shounen muito amados com uma ingenuidade particular, incorrendo em uma paleta familiar com elementos próprios que mesmo reconhecidos tornam a obra própria. As influências (que são muitas e principalmente as do gênero horror) são emocionantes de se ver; é fácil dizer que o autor é muito apaixonado por sua criação e que é algo nascido de um carinho genuíno tanto pelo gênero quanto pelo meio.
Por fim, Chainsaw Man traz o tipo de conteúdo perfeito para ser adaptado para um anime. Com sua ação frenética e visceral, ilustra muito bem o impacto e a ferocidade através do seus enquadramenteos maiores que são muitas vezes brutais e selvagens, com uma mistura caótica mas compreensível de designs criativos. A expectativa fica em razão do Studio MAPPA (estúdio responsável pela adaptação em anime do mangá e também idealizador das adaptações de Jujutsu Kaisen, Dorohedoro e a fatídica quarta temporada de Attack on Titan), para que consigam adaptar toda a intensidade e energia necessárias para atingir os momentos de climax do mangá, os quais não são poucos.
A segunda parte de Chainsaw Man está programada para começar a ser publicada neste outono na revista online Weekly Shounen Jump da Shueisha, que também apresentou a série anterior de Tatsuki Fujimoto, Fire Punch. Dito isso, a segunda parte irá se dirigir a um arco escolar, que é um cenário extremamente comum nos mangás no geral, muitas vezes repleto de enredos previsíveis. Esperamos que o autor Tatsuki Fujimoto continue com ideias excêntricas… e não esqueçam, o futuro é…