Uniforme sadomaso, brucutus, hiperviolência, bizarrice, humor ácido, linguajar de baixo-calão… se parar por aqui muitos acharão que estou descrevendo uma HQ qualquer roteirizada pelo Ennis, e não estariam em todo errados. Na verdade, o material que compila essas características veio muito antes dele. Ouso dizer que serviu, de certa forma, de escola para grandes astros dos quadrinhos: Alan Moore, Neil Gaiman, Garth Ennis, Steve Dillon, Brian Bolland, Alan Grant, Grant Morrison, entre muitos outros.
A revista 2000ad/Prog pode orgulhar-se de ter servido de laboratório para as grandes mentes (e mãos) dos anos 1980 e início dos anos 1990. Na esteira da Metal Hurlant, assim como muitas outras, as magazines britânicas, com seu formato de antologia, representam um marco não só para o mercado europeu, mas para o estadunidense também. Ao lado da Heavy Metal (EUA), a 2000ad, Star Lord e Warrior (todas britânicas) foram um verdadeiro “celeiro” de criatividade que ajudou a impulsionar grandes nomes do Reino Unido que, ironicamente, emprestaram todo seu potencial para as duas maiores editoras americanas: DC e Marvel. “Ironicamente” porque, depois desse intercâmbio, todas elas faliram ou foram incorporadas por editoras maiores. De todas elas, a única publicação que permanece na ativa até hoje é a Prog (2000ad), com seu ícone e principal personagem, o Juiz Dredd (publicado mensalmente na revista Megazine). Criado em 1977 pela dupla Wagner (Inglaterra) e Ezquerra (Espanha), Dredd já usufruiu de alguma popularidade aqui no Brasil na primeira metade dos anos 1990’s.
Para alguns, a primeira experiência ocorreu em um crossover com o Batman: Julgamento em Gothan (primeiro de uma série em 4 partes). Mas a primeira vez em que a autoridade megacitiana aportou no Brasil foi em 1978, na segunda edição da extinta Capitão Z Apresenta: Ano 2000 (periódico em formato de antologia nos mesmos moldes da revista britânica). Na sequência, ganhou uma produção cinematográfica em 1995 que, apesar do fracasso, serviu para que a popularidade dele aumentasse. E foi o que aconteceu, vieram adaptações para jogos eletrônicos, jogos de tabuleiro e outro filme. Depois de todo esse currículo, não haveria outro caminho a ser trilhado que não o sucesso, correto? Infelizmente, não!
Assim como Spawn e outros medalhões dos quadrinhos modernos, o gibizinho do Juiz não emplacou por aqui. Apesar de estar sendo publicado até hoje em todo o Reino Unido, isso não significa grande coisa para o terrível mercado editorial de quadrinhos brasileiro. Mesmo com dois filmes (não tão bem-sucedidos), o mundo futurista e distópico de John Wagner não emplacou fora da Europa. Nos EUA há menos resistência, mas ele não possui publicações regulares por lá. Devido à similaridade entre os idiomas, as coisas acabam sendo mais fáceis, já que basta importar o material original e distribuí-lo. Contudo, ele teve série própria na casa do Tio Sam, pela editora IDW, só que num tom mais “suavizado”. Ao todo, os gringos criaram três universos distintos para o personagem: o do filme de 1995, que já foi quadrinizado; do filme de 2012, que ganhou uma continuação em quadrinhos; e os quadrinhos propriamente ditos da IDW.
Assim como os personagens da Image Comics e Valiant, é difícil vender Dredd por aqui. Apesar de encontrar-se numa situação mais confortável que os títulos das editoras citadas, ele vive capengando. Desde 2012, data em que as Megazines (antologia mensal que compila histórias de diversos personagens da 2000ad) começaram a ser publicadas no Brasil pela Mythos, o personagem se mantém, mas passa por reformulações editoriais constantes. Mas esse “mal” não assola apenas o Juiz, os medalhões da Marvel e DC, publicados no Brasil pela Panini, também sofrem com títulos cancelados, criação de revistas mix etc. É visível a olhos nus o fato de que o mercado editorial de quadrinhos vem passando por uma crise não só econômica, mas existencial também, e digo isso porque, na contramão, os mangás seguem cada vez mais firmes e fortes.
As publicações do Juiz e seu universo vivem num eterno “respiro”, mas o mesmo não se pode dizer dos outros títulos do universo da editora britânica Rebelion. Alguns deles aparecem em mixes semestrais ou anuais, que compilam fases aleatórias de inúmeros personagens desse vasto universo criado na década de 1970. Enquanto o dredd-verso possui, atualmente, três linhas regulares (Juiz Dredd Essencial, Juiz Dredd: Casos Completos e Universo Juiz Dredd), o restante da franquia possui duas revistas sem periodicidade definida: 2000ad Especial, Heavy Metal Anthology e Slaine. Sei que estou resmungando de boca cheia, poderia ser pior. O Savage Dragon (Image), por exemplo, que é publicado até hoje nos EUA, teve aqui apenas uma minissérie em 4 partes (Abril Jovem) nos anos 1990, e um especial em 2015 (Mythos). Posso incluir muitos outros nomes à lista.
De qualquer forma, fica como reflexão entender o porquê de um determinado quadrinho ter êxito num país onde os super-heróis resistem “heroicamente”, e em outros, não. Deixo claro de antemão que diferentemente desses citados, os quadrinhos dos “anti-heróis” britânicos não são voltados para o público infanto-juvenil.
É uma pena que esse personagem não foi bem explorado no cinema.
Com certeza, Arthur! Isso teria impulsionado absurdamente as publicações!
Na real, acredito que não tenha sido tão bem explorado por que um filme não seria o formato ideal para uma adaptação live action.
É um universo tão vasto que num primeiro ato não caberia toda apresentação necessária. O filme de 2007 por exemplo, parece um episódio que já foi apresentado em um outro episódio e tem um fim que tem cara de continua.
Realmente, LK! Talvez um longa metragem não seja suficiente, já que teria de descrever um vasto universo e caracterizar os personagens nele. O caminho buscado, por enquanto, será no formato de séries, cuja o anúncio, pela Netflix, havia sido feito em 2018: Mega City.
Vim pensando que se tratava de uma apresentação de uma lista de ordem de leitura pra quem quer entrar no universo do Juiz 😅.
Mas foi um ótimo texto, ainda assim
Salve, LK! A questão é exatamente essa! A forma com que a Mythos vem publicando o personagem aqui no Brasil não exige ordem alguma de leitura. Desse modo, optei por apresentar as linhas editoriais presentes até o momento, ou seja, em vez de elencar uma ordem específica de leitura, decidi trabalhar o conteúdo de forma que o leitor perceba que pode começar por onde quiser.
Abraço,