Nunca se falou tanto em pertencimento do corpo da mulher como agora, depois de séculos de luta precisamos voltar ao debate: A quem pertence os nossos corpos? Feminicídio, leis contra o aborto legalizado, machismo estrutural, e violências diárias, sejam elas físicas ou morais, que nos fazem questionar se estamos voltando a uma Era onde não mais nos pertenceremos.
Corpo Público, de Mathilde Ramadier e Camille Ulrich, fala exatamente sobre isso. E a apesar de não ser uma HQ que apresenta uma dura realidade das mulheres ao redor do mundo, ela retrata de forma leve e até um pouco rasa, as nuances diárias vividas por uma mulher que cedo descobre como mundo patriarcal sempre tentará decidir por nós: “Use a pílula, tenha filhos, não tenha filhos nessa idade, seja feminina, não durma com um cara na primeira noite, etc”. Regras essas que servem apenas para nós, que precisamos nos acostumar com essa objetificação, sim, como objetos e bens que pertencem a outros, que não nós.
Mathilde, nasceu no sul da França e aos 17 se mudou para Paris para estudar Design gráfico e depois filosofia e psicanálise. Em 2011 se mudou para Berlim, na Alemanha, onde se casou e vive atualmente. Lá percebeu que apesar da liberdade aparente que as mulheres apresentavam, elas enfrentavam o maior do sexismo quando o assunto é gravidez, o que a fez escrever “Corpo Público” em 2021.
A maternidade acaba sendo um tema crucial na história, apesar de toda magia que circunda esse acontecimento, ele é uma decisão delicada e pessoal, mas perante a sociedade as mulheres ainda enfrentam muitas barreiras quando todos parecem saber mais sobre seus corpos do que elas mesmas.
Em Corpo Público, Mathilde conta a história de Morgan, uma jovem francesa que almeja dedicar a vida ao teatro e a vida de atriz, e percebe como lidar com sua vida profissional em meio a tantas decisões compartilhadas sobre seu corpo, primeiro com a mãe, ginecologista e toda sociedade, é difícil. A partir do momento que Morgan atinge estabilidade em sua carreira e relacionamento, chega o momento de tomar a decisão: ser ou não ser mãe?
Comento acima sobre a leveza e até a forma rasa como a HQ lida com o assunto, mas não é uma crítica, apenas a realidade de Morgan não é capaz de conversar com todas nós mulheres, cis héteros ou trans, de gênero, etnias e classes sociais diferentes, está mais para uma realidade única, dentro de uma bolha, de alguém que tem uma vida e família estável. Mas, o debate é muito necessário, ainda que a história não se aprofunde tanto é possível encontrarmos familiaridade com o tema, uma vez que perante a sociedade, de forma velada ou não, nossos corpos não nos pertencem. Seja no popular, ou através de uma legislação vigente, como as leis de proibição ao aborto legalizado (vide o retrocesso recente, onde após quase 50 anos a Suprema corte dos Estados Unidos cancelou a “Roe contra Wade” que permitia o aborto em todo território nacional) . São muitas questões, ainda mais quando o tema envolve a gravidez, existe um tabu sobre o assunto, que joga as mulheres contra a parede diariamente, com frases como: “Não engravide cedo, não engravide tarde demais, a gravidez irá destruir seu corpo, você precisa ser mãe para se sentir realizada como mulher”, opiniões não solicitadas que nos tiram o poder de decisão sobre nós mesmas.
A Suprema Corte dos Estados Unidos (EUA) derrubou nesta sexta-feia (24) a decisão conhecida como “Roe contra Wade”, de 1973, que garantia nacionalmente o direito ao aborto. Isso devolveu aos estados o poder de definir se permitem esse tipo de procedimento. Espera-se que a mudança leve à proibição do aborto em cerca de metade dos estados americanos.
Fonte g1 – Matéria completa AQUI
O debate é muito mais extenso do que isso, mas aqui ele é super válido. A HQ não faz uma análise social sobre as problemáticas enfrentadas pelas mulheres na sociedade de forma ampla, mas ela reflete as experiências pessoais da autora ainda que não seja uma história bibliográfica, logo, a iniciativa de se rebelar e falar sobre os incômodos diários de ser uma mulher em uma sociedade onde o machismo estrutural é tão presente, delimitando nosso papel na sociedade, e favorecendo os homens em detrimento das mulheres, é extremamente válido.
Sendo assim, ainda que a intenção de “Corpo Público” não seja expandir esse debate, ele é um quadrinho que irá gerar em todas as mulheres que o lerem identificação em algum ponto, ouso dizer que é um quadrinho que toda mulher deve ler, pois é importante iniciarmos esses questionamentos, e eles não devem parar aqui, devem sempre seguir em frente, e de forma cada vez mais audaz.