O Portal Geek Fy Me tem a grande honra de receber Raphael Fernandes, que começou a sua carreira como editor na revista MAD, onde trabalhou por quase dez anos, atualmente é editor na Editora Draco, professor na Escola de Dragões desde 2021, com cursos voltados para roteiro de Histórias em Quadrinhos.
Raphael também é roteirista, tendo recebido o troféu HQ Mix em 2013 na categoria “Novo Talento” pelo quadrinho Ditadura No Ar – Coração Selvagem, seu primeiro trabalho, hoje ele tem outros trabalhos publicados como a Teia Escarlate e a séria Apagão. Recentemente Raphael recebeu mais dois HQ Mix na categoria Publicação Mix pelo seu trabalho como editor com as coletâneas O Rei Amarelo (2016) e O Despertar de Cthulhu (2017) ambos publicados pela Editora Draco.
Agora que fomos apresentados, vamos para a entrevista!
(GFM) Obrigado Raphael por aceitar o convite! Para começar, gostaria de perguntar quem é o Raphael, como você se define?
(RF) Que pergunta! Cada época da vida eu responderia uma coisa diferente, no momento eu sou uma pessoa que gosta de contar histórias. Sou um cara da periferia de São Mateus, mas que tive uma vida até que confortável dentro do contexto da periferia, tenho 38 anos, sou formado em história pela USP. Nessa formação em história eu acabei fazendo um monte de matérias na ECA, que era escola de comunicação e artes e me apaixonei por comunicação. Foi aí que eu traí o movimento dos historiadores foi de vez. Aí nunca mais voltei. Cheguei a trabalhar, vamos dizer assim, coisas conversam, eu fui editor de livros didático, mas sempre trabalhei com a parte de comunicação, de livros, de publicidade e hoje me vejo como um cara que cria histórias nas mais diversas linguagens.
(GFM) Ter a formação em história deve ter dados muitas armas (rs.)
(RF) Aposentei o meu distintivo de historiador faz um tempo já, mas sempre torno a história uma ferramenta para contar histórias, na verdade. Eu acho mais difícil fazer história de forma criativa do que usar a história para criar coisas criativas. Então, eu meio que fui por esse caminho, prefiro criar as coisas e usar recursos de história do que fazer um trabalho de historiador que seja criativo que eu achei que é praticamente impossível.
(GFM) É perceptível nos seus trabalhos essa mistura de linguagens, eu sou apaixonada por obras que brincam e apresentam essa pluralidade, que mesclam literatura, música, cinema…
(RF) Eu também sou assim, eu não sou uma pessoa que é normalmente preso só nisso (Quadrinhos), eu sou da literatura também, foi a primeira coisa a me interessar, mas depois fui pro RPG, e os quadrinhos vieram no meio, depois foi tudo misturado na minha infância. Mas eu também gosto de tudo, todas as linguagens, e sempre misturei elas na minha cabeça (rs.)
(GFM) Hoje a principal linguagem é o quadrinho?
(RF) A Principal linguagem que eu trabalho é o quadrinho, mas eu faço uma porrada de coisa diferente. Eu sou chegado num terrorzinho, num ocultismo, então acrescento essas coisas as histórias.
(GFM) O Quadrinho permite certas liberdades, não só com o roteiro, mas permite brincar com vários elementos para fazer uma história ganhar vida e peso, seja com um angulo de câmera, seja com as cores usadas, ou elementos presentes no cenário que se relacionam, mas sempre guiados pelo olhar do autor que vai delimitando e cuidando dos detalhes. Como você realiza essa construção?
(RF) Os limites dos quadrinhos são amplos, dá para ir pra tudo quanto é canto, percorrer qualquer caminho. Eu gosto de contar histórias que sejam essencialmente narrativas com essas coisas cinematográficas, mas eu gosto também de flertar com as experimentações. Meu trabalho vai por esse caminho buscar uma linguagem que todo mundo entenda. Quero que as pessoas parecidas comigo se identifiquem e se reconheçam. Na verdade, eu quero que as pessoas que são os meus amigos de infância que não existem mais, aquelas pessoas que eles eram quando crianças consigam entender as minhas histórias. Escrevo pensando nesses caras e minas que são da periferia que gostam de cultura pop e que não tenham acesso a tudo, encontre coisas que conversem com as pessoas que eles são que conheçam as suas dificuldades e problemas, histórias que conversem com eles assim como conversaram comigo. E esse ideal está presente na Editora Draco eu e o Eric temos isso, nós juntamos as nossas escovas de dentes (rs.)
(GFM) Aproveitando que a editora foi citada, vamos falar sobre ela um pouco…
(RF) Esse ano completamos 10 anos de Draco e nós temos uma simbiose boa e a gente encontrou esse estilo que a gente pega, a cultura pop que a gente curte, tudo isso que está na cabeça da galera como o Senhor Dos Anéis, Lovecraft, Philip K. Dick e trazemos para o nosso universo.
(GFM) É engraçado porque nós como publico percebemos esse cuidado e explorando o catalogo fica evidente que existe muito de vocês presente, coisas que gostam e que se comunicam também conosco ao mesmo tempo, com personagens que falam a nossa língua e possuem visões de mundo semelhantes, medos, enfim…
(RF) A gente tenta juntar, aliando o nosso estilo aos interesses que tem sobre a cultura pop do mundo inteiro, mas falando com as pessoas que são daqui. Então quando a gente vai fazer um trabalho sobre o rei amarelo, as histórias falam de medos que são nossos, são das pessoas do Brasil, falam com as gírias do Brasil, falam com os sotaques daqui. A história nem precisa se passar aqui, mas ela tem que mostrar nosso ponto de vista. Querendo ou não, é o que faz diferença no terror, isso aproxima muito quem está lendo.
(GFM) Rei Amarelo é um ótimo exemplo de história que se comunica conosco, com um terror que consegue falar a linguagem do nosso medo, da nossa estranheza…eu tive que ler com pausas para respirar (rs.) mas gostei de todos os detalhes, da cor amarela em locais específicos distribuída pelos quadros…
(RF) Eu tenho histórias de pessoas que deixaram o quadrinho na igreja e foram embora, que jogara o Rei Amarelo fora (rs.). Esse é um trabalho que houve um cuidado, e foi um divisor de águas para nós na Draco, porque ele é o primeiro grande sucesso que saiu do controle. Lembro que na COMIC CON a gente nem conseguir lidar muito bem com as filas e com a coisa toda, uma doidera. Não estávamos esperando e ele cresceu mais no ano seguinte. Depois da Comic Con as pessoas comentaram e saíram um monte de review, tornando ele bem maior do que esperava.
(GFM) É engraçado que eu lembro do barulho que o quadrinho fez, quando se falava em terror era o mais indicado no YouTube teve vários reviews, entre a roda de amigos era o quadrinho do momento e até hoje se fala do impacto que as histórias causaram.
(RF) Eu gosto muito dessa HQ, e eu só consigo ver agora, porque na época eu não pensei nada disso, mas vejo como um quadrinho que fez grande favor para o terror nacional, que trouxe um revival, fazendo com que editoras gastassem a sua vida para tentar fazer aquele gibi de novo (rs.)
(GFM) Raphael, depois desse bate-papo sobre quadrinhos, leitura e arte eu não poderia deixar de perguntar sobre como começou essa relação com a leitura, qual foi o primeiro livro ou quadrinho que te marcou?
(RF) Olha eu lembro bem porque, e aí o lado historiador é forte e faz parte de quem eu sou, e tem um ritual que eu faço bem pessoal que é de tempos em tempos, quando estou meio perdido que é reler o meu primeiro livro da vida que se chama: Enferrujado La Vai O Soldado, e é um livro que ninguém conhece (rs.), nunca ocorreu de eu falar sobre ele e alguém falar que já leu. É um livro desconhecido e nacional, sobre um soldado que vive num reino e que só tem ele de soldado, porque é um reino que o rei fica comendo figos e tomando vinho durante o dia sem fazer nada enquanto o soldado marcha defendendo o lugar que não tem nada de ninguém. Um livro da Sylvia Orthort e com as ilustrações de Tato, não faço ideia de quem são essas pessoas (rs) o que faz parte do processo, que é não descobrir do que se trata esse livro. Um livro completamente bizarro e psicodélico e que não faz o menor sentido e faz todo sentido ao mesmo tempo.
Ele é um livro simbólico, então você tira o que quiser dele.
Nessa primeira parte da entrevista conhecemos um pouco mais sobre Raphael Fernandes, a Editora Draco e sobre o Rei Amarelo um dos seus principais trabalhos como editor. Mas calma que ainda não acabou, voltaremos com a parte II desse bate-papo falando também sobre Ditadura no Ar que em 2016 foi publicado rendendo-lhe um HQ Mix como Novo Talento e outros trabalhos mais recentes.