Difícil imaginar alguém que se divirta escrevendo mais do que o Scott Snyder – roteirista de quadrinhos responsável entre outras coisas por suas passagens pelos títulos do Batman e mais recentemente também pela Liga da Justiça. A impressão que fica depois de ler qualquer história escrita por ele, é de um profissional totalmente devotado ao processo de criação: o corpo retesado, cenho franzido, olhos injetados enquanto metralha impiedosamente o teclado da sua estação de trabalho, cada pensamento jorrando em empolgação pela ponta dos dedos. Cada cena escrita encaixando na seguinte até formar uma fileira inteira de vagões rumo ao topo da montanha-russa. Pra daí descer vertiginosamente, sem querer saber se o leitor prendeu bem o cinto de segurança ou não.
Seja na arte de Greg Capullo ou então nos desenhos brasileiro Rafael Albuquerque – dois dos seus colaboradores mais frequentes – as páginas vão gritar pra você até os seus olhos e ouvidos sangrarem. Afinal são os monstros e o horror que costumam dar a tônica das histórias de Scott Snyder, portanto nenhuma surpresa quando vampiros mutantes com bocarras enormes e repleta de dentes pontudos explodem com garras em riste em Splash Pages carregadas de violência e sadismo.
Aliás, a estética das histórias desse nova-iorquino de 45 anos deixa claro que sua principal estrutura narrativa e estética é mesmo o horror. Obras como Wytches (publicada aqui no Brasil pela #Darkside) e Vampiro Americano (publicado em Sete Volumes pela #Panini) apenas corroboram seu estilo. Fã declarado do Stephen King e do clássico zumbi de George Romero, Noite dos Mortos Vivos (#TheNightottheLivingDead), Scott nos diz que os monstros (e o horror decorrente deles) que costumam aparecer nas suas obras são carregados de metáforas acerca da condição humana e de questões essenciais sobre a nossa natureza. Mas não é só de sangue e sustos que vive a obra do autor, Scott Snyder entrega roteiros sorumbáticos carregados de suspense e ação, com direito a viradas de trama – embora a ação muitas vezes se sobrepondo ao horror.
Voltando a Wytches, este que é um quadrinho fechado em si, é fácil declarar que é uma excelente forma de encarar o medo e conhecer uma nova história sobre as bruxas. Com um começo narrativo quase típico do Stephen King e uma ode ao mestre do horror. A Família Rook está tentando recomeçar do zero. Eles se mudaram para a cidade de Lichfield com a expectativa de deixar o passado para trás. Um passado traumatizante para Sailor Rook (a filha do casal). Ela sofria bullying na escola anterior e desde então ela lida com a ansiedade e depressão. Entretanto mesmo com a família se mudando para um lugar mais isolado, Sailor não se sente bem no novo colégio e nem faz ideia do pesadelo que está para enfrentar. Uma narrativa clássica do terror. Sailor sabe que há algo na floresta. Afinal essa “coisa” já tinha se mostrado antes. É quando surgem as bruxas.
As bruxas de Snyder são capazes de realizar quaisquer desejos. Porém, é necessário dar algo em troca a elas. E estes seres da floresta são realmente assustadores. São construtos absolutamente bizarros. Estes seres assustadores revelam aquilo que existe de pior e mais ambicioso no ser humano. Apesar de todo o terror, como dito anteriormente, não é só de sangue, dentes, lutas extremas e sustos que sustentam as obras do autor. O grande destaque em Wytches é a relação entre um pai e sua filha. Mais uma vez Snyder nos diz que os monstros que costumam aparecer nas suas obras são metáforas acerca da condição humana e de questões essenciais sobre a nossa natureza.
A arte de Jock auxilia muito nesse aspecto. Seus desenhos, combinados com as cores de Hollingsworth, são vitais para a atmosfera sufocante que o gibi possui. O traço marcante ganha a companhia de um trabalho de colorização que une pintura digital com várias camadas de aquarela feitas à mão, alcançando um resultado final único. Muito do impacto de Wytches vem da sua arte, responsável por apresentar um mundo único, sombrio e horripilante.
Se o horror e a influência de Stephen King sempre foram presentes nas obras do Scott Snyder é aqui, em Vampiro Americano que tudo fica ainda mais claro.
Escrita em parte pelo celebrado próprio King, a revista começa abordando Skinner Sweet, o primeiro vampiro a ser criado nos EUA. HQ mostra a sua trajetória e todo o sangue derramado por onde passou e posteriormente a personagem Pearl Jones; e os dois imortais têm suas “vidas” intimamente ligadas. Os vampiros daqui não conservam a humanidade, pelo contrário além das fartas doses de sangue, violência e perversidades, a saga ainda tem aspectos românticos e dramáticos, que tornam impossível não se importar com os personagens, os anti-heróis concebidos por Snyder apresentam contradições humanas indeléveis. Mesmo com seus caninos protuberantes, revelam facetas ocultas da sociedade norte-americana.
Por fim, vamos falar de Monstro do Pântano…
Snyder começa trazendo Allec Holland, qual não é mais o Monstro do Pântano. Ele se tornou humano e quer continuar assim… para então jogá-lo na “podridão”. O problema surge quando O Verde (toda vida vegetal) conta a ele que um novo inimigo conhecido como The Rot (Morte e decadência) está reunindo um exército para matar o mundo inteiro, jogar em sua alma gêmea Abigail Arcane e você terá um conto literal de vida versus morte. A revista aprofunda cada vez mais como em um pesadelo que não abranda para nenhum dos personagens. Uma história épica, por vezes mórbida, por vezes completamente sádica e por vezes simplesmente sinistra para algumas pessoas, mas, afinal, esta é uma história de terror. O que faz sobressair outra inferência sobre o autor e a sua obra: Scott Snyder escreve também pra combater seus medos. Enfim, um autor pra quem gosta boas histórias de horror – ou então de boas histórias de ação com o verniz de um horror de qualidade.