Imagine um mundo justo, onde todas as mazelas que assolam a humanidade foram superadas; onde não exista mais nenhum tipo de problema, seja ele de qualquer natureza; um mundo que deu certo, no qual diferentes espécies convivem pacificamente. Imaginou? Beleza! Agora esqueça tudo isso, pois essas descrições nada têm a ver com o material analisado.
Quando menos é mais
Como contar uma excelente “história” de terror em poucas páginas, e ainda ser magistralmente desenhada? Isso é algo que o mercado europeu — o franco-belga, especificamente — consegue fazer muito bem. Não que editoras, autores e desenhistas de outras nacionalidades não consigam, mas fazer muito com pouco é quase que uma tradição editorial nesse segmento. Os álbuns costumam ter dimensões extravagantes, mas não são espessos. E Morte Viva não é exceção.
A morbidez sugerida pelo título é acompanhada por uma ambientação sombria, que mescla diversos clichês consagrados no universo literário e cinematográfico: claustrofobia, perseguição, pavor (Alien e Aracnofobia); medo do desconhecido e… tentáculos (Lovecraft); clonagem e aberrações científicas (Frankenstein); extinção da humanidade e destruição da Terra; e muitos outros. Tudo isso condensado em 72 páginas — mencionei que também há elementos de dark fantasy, estética medieval e arquitetura vitoriana? Não? Pois é! Um prato cheio para os amantes do terror/horror sob todas as vertentes.
A HQ narra a trajetória de Marta, mulher rica e influente na comunidade científica, que perdeu a filha pequena em um acidente ocorrido durante uma escavação arqueológica. Inconsolável, ela tenta, por meio da Ciência, remediar o corrido. E para tanto, ela tenta dissuadir um jovem e proeminente pesquisador em clonagem (de várias formas de vida) a ajudá-la. É exatamente aí que os problemas começam. A socialite obstinada lança mão de todo tido de subterfúgio para conseguir o que quer: dinheiro, equipamento de ponta e outros recursos científicos, cobaias vivas e até favores sexuais (antes de chegar até aqui acho que já deu para sacar que não estávamos falando de um quadrinho infanto-juvenil, certo!?). Ela consegue o que quer, e esse é o problema. O final é extremamente recompensador, principalmente para os aficionados, como eu, em desfechos trágicos.
A arte é simplesmente deslumbrante, e arrisco dizer que, se a história não fosse boa (o que não é o caso), ela bastaria. O preto/branco do lápis de Varanda realça as hachuras — que lembram um tipo de arte não finalizada, muito comum no circuito europeu —, trazendo dramaticidade e emergência à temática obscura. Não há um único momento de alegria ou bem-estar, o sofrimento é mote aqui. As páginas são couchê e a capa é dura. A edição ainda acompanha pôster digno de ser emoldurado (mas que não pode ser pendurado em qualquer parte da casa, já que não se trata de uma imagem muito agradável).
Material mais do que indicado para os apaixonados por terror/horror clássico e contemporâneo, e que não abrem mão do formato BD (Banda Desenhada).
Sensacional!! Ótimo texto 👏🏻👏🏻👏🏻 Eu não costumo acompanhar o que sai pela Mythos, mas esse é um material que chamou muito a minha atenção, gostaria de ler em breve.