O cenário e os objetos como fatores narrativos
O cinema e o quadrinho são primos, possuem elementos familiares e certas características que podem passar despercebidos diante dos nossos olhos, elementos de grande relevância e sutileza quase magistrais, habilmente calculadas para harmonizar como um bom vinho com o prato principal. Nossos olhos se voltam para os personagens, expressões e gestos, capturamos em parte o ambiente e muitas vezes esquecemos das cores, objetos e cenários como texto a ser lido, como parte do roteiro.
Falar sobre cenário é abrir um leque de possibilidades que nos leva a vários pontos importantes e que são um guia para o leitor ou o espectador (no caso dos filmes e séries), é o cenário que nos orienta à localização espacial (em casa, na sala, em uma cidade), localização temporal (século, passado, presente, futuro) e ainda contribui com peças-chave sobre o personagem apresentando sua condição financeira (classe e poder aquisitivo) e ainda pode refletir aspectos psicológicos ou detalhes sobre a personalidade.
No cinema esses aspectos englobam o que chamamos de fotografia e que Ann Hornaday cita como “Iluminação, cor, composição, temperatura e textura da imagem”, nos quadrinhos, talvez, sejam um pouco mais sutis e trabalhado de forma mais árdua para tornar uniforme e de certa forma natural ao ponto de muitas vezes deixar escapar o óbvio, o cotidiano e reconhecível.
Com isso começamos a entender o quão relevante o cenário se torna para uma narrativa. Em Radiant Black podemos perceber alguns estados de espírito dos personagens, além de perceber de forma mais específica a alteração de seus níveis emocionais. Através das cores utilizadas e objetos dispostos nas cenas nos tornamos quase íntimos de Nathan e capturados para uma viagem emocional envolvente sem nome e que só depois se tornou claro para mim, o cenário estava ali gritando em cada página, ditando o que muitas vezes o personagem queria dizer e as palavras não caberiam.
Como esquecer essa cena? Os tons de azul e cinza que compõem o quadro, os ângulos escolhidos e o plano em que olhamos a cena. Árvores, casa, família e o retorno.
É incrível como esse trecho da história continua gravado mesmo após alguns meses e o quão forte é a presença desses elementos nesse quadro, nele está impresso o estado de espírito do personagem em seus tons azulados, cinzas e cores quase apagadas, um cenário contemplativo, frio. A escolha de ângulo também é feita de modo interessante e eu não poderia deixar de pensar em suas características simbólicas, o espaço entre Nathan e a família e a jornada que ele percorreria, no futuro.
O cenário mais uma vez serviu para ressaltar estados de ânimos, mas dessa vez através de sombras e uma janela na parede da sala de jantar. Na primeira cena as sombras encontram-se amenas e a janela uma linda paisagem contemplativa com cores alaranjadas, que lembram um vulcão. Talvez o prenúncio de algo por vir. Logo em seguida, as sombras aumentam, o espaço parece reduzir e não conter os personagens, a mesa que antes parecia ser mais larga dá lugar a algo minúsculo, a paisagem contemplativa desaparece em meios aos balões grandes, tomam o ambiente e cobrem os objetos quase agressivamente.
Entender o que os objetos dizem é um ponto em que podemos partir para conhecer nossos personagens, ler o que está além dos balões é um exercício válido e uma viagem através de símbolos e significados. Acredito que a arte mostra a sua beleza nos detalhes, nas escolhas sutis e de grande impacto.
Eu sei que o texto ficou um pouco grande, mas não tem como falar da grandiosidade e beleza dos detalhes em poucas linhas a minha paixão, talvez, exceda o limite dos caracteres. Espero que tenham gostado e até a próxima. Ah! Deixe nos comentários alguma obra que o cenário tenha te marcado, as escolhas das cores ou os objetos e como eles dialogaram com a cena. Eu adoraria saber!
Fonte:
Radiant Black, escrito por Kyle Higgins e arte de Marcelo Costa.
HORNADAY, Ann. Como Falar Sobre Cinema. Rio de Janeiro. 2001.
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